
Ontem dei comigo a fazer exactamente o que a minha cadela faz…estava na janela virada para o meu quintal, com o queixo pousado no parapeito, a olhar…simplesmente olhava…e percebia como a minha cadela sabia apreciar as coisas boas da vida…sim, parece algo estúpido mas…aquela vista…não era exuberante como os jardins de Versalhes mas era “exuberante” a sua maneira…tinha uma beleza característica…a beleza da nostalgia… era isso…só percebi depois, mas havia algo ali…algo que me dava uma certa calma…e lembrei-me que basicamente a partir do dia em que a minha cadela chegou a minha casa e olhou pela janela, eu fazia o mesmo…praticamente todos os dias, a hora de comer, antes de ir para a escola alguém me chamava porque eu estava ali a janela…a olhar…a pensar, a reflectir sobre tanta coisa…aproveitando uma paisagem tão comum…uma mistura de cidade com campo, talvez um pouco brusca até…mas inexplicavelmente eu fazia-o, nuns dias durante mais tempo que outros, mas fazia-o sempre! Umas vezes com ela ao meu lado…os dois a olhar…para tudo e para nada…em silencio… a ouvir os possíveis barulhos, o vento…e a ter a certeza que a existência valia a pena…que apenas sentir o vento na cara, cheirar a relva molhada, ou até mesmo aquele velho pedaço de cimento molhado, eram motivos suficientes para justificar a minha existência…talvez para muitos seja estúpido, achar que se nasceu para cheirar cimento molhado…ou relva…mas não era isso que eu realmente cheirava…eu cheirava, e cheiro, a vida, a essência poética da vida, a realidade romântica das coisas…os pequenos pormenores, dos espaços mais comuns…sim! Eu chamo a isso sentir a vida! Sentir que cada pedaço de natureza é uma obra de arte e nós mesmos somos parte integrante dela! Talvez me achem um lunático, e depois? Que tem isso? É desta forma que entendo a vida…a olhar, a cheirar, a sentir a natureza e a vida! Aprender a ver o invisível…é isso que eu quero, quero ver o inexistente, sentir o imperceptível…saborear o insípido, quero viver e ver a vida!
Afinal, se pensarmos bem…se acham que não tenho razão… reparem que nós, ou melhor o nosso enorme planeta não passa de um pequeno pormenor, na vastidão do universo, no entanto nós vivemos nele, nós amamos, nós crescemos, somos felizes e choramos nele…porque para o resto do universo podemos ser só um pormenor, mas nós sabemos que não somos “só”, nós somos muito mais do que isso! Nos somos “O PORMENOR” ! Como, se me permitem, todos os restantes, pois cada um é “o”, e cada um é importantíssimo a sua maneira, só temos de aprender a ver, a cheirar, saborear, sentir, e nessa altura também esse pormenor fará parte da nossa felicidade… Num mundo em que andamos de um ponto de partida para uma meta…devíamos olhar melhor e apreciar o caminho, pois todas as viagens são únicas e irreversíveis, podemos até viajar para o mesmo sitio 500 vezes, e garanto-vos, estejam bem atentos porque chegaram talvez ao mesmo sitio, mas a viajem será sempre diferente e a paisagem terá sempre mais uma história para contar. Um dia ouvi “Deus está nos pormenores” na altura pareceu-me só mais uma daquelas frases feitas, muito bonitas mas muito generalistas e pouco praticas…mas cada vez mais me apercebo que não é disso que se trata, esta pequena frase transmite a 100% uma verdade e isso até mesmo para quem aceita a primeira leva tempo a compreender. Nunca vos aconteceu olharem para algo comum, algo insignificante que aos vossos olhos, pelo menos naquele momento vos levou a cabeça a frase “Isto, é arte!”? coisas simples e banais que nos transmitem sentimentos fortíssimos, ou até só pequenas brisas sentimentais…que no momento até nos parece parvo, mas que acabamos por ignorar isso…e ficamos com isso na cabeça…
O texto já vai longo…e poderia encher paginas com este assunto…mas opto por dizer apenas: Olhem a vossa volta, vivemos numa obra de arte sem sabermos, andamos a sobreviver de olhos fechados, abram os olhos e vivam! Porque a vida é um quebra-cabeças magnífico, cheio de tesouros escondido…E que tal resolve-lo?